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Foto do escritorMonica Antinarelli

O aumento do preço do combustível, o impacto nos contratos e a (des)necessidade de termo aditivo

Diversos gestores foram surpreendidos com os constantes aumentos do preço do combustível no último ano, o que tornou insuficientes os valores inicialmente estimados para diversos contratos administrativos de gestão ou/e fornecimento de combustível para a Administração Pública, levando à necessidade de rever os preços inicialmente pactuados.


Diante desse quadro, resta dúvida se tal alteração no preço exigiria o aditamento formal do contrato, via termo, nos termos do art. 65, da Lei 8666/93 e com as limitações previstas no § 1º do mesmo dispositivo legal.


A nosso sentir, a análise da questão deve partir de de três pontos de vista. O primeiro deles diz respeito às alterações contratuais fundamentadas no art. 65, I da Lei 8666/93 e art. art. 58, inciso I, da mesma lei. Trata-se de alterações ditas qualitativas (alínea “a”) e quantitativas (alínea “b”).


As alterações quantitativas do contrato são manifestações unilaterais da Administração, por motivo de conveniência do serviço, que se podem processar, dentro dos limites permitidos, sem que se modifiquem as especificações do contrato e os critérios definidos nas planilhas que o integram. De maneira diversa, as modificações qualitativas não apresentam proporção prefixada, devendo, contudo, respeitar a essência do objeto do contrato, do qual é expressão objetiva sua finalidade, caracterizada no projeto básico, a que se reporta o edital.


Muito embora digam respeito a situações diferentes, ambas as alterações estão submetidas a algumas determinações legais, como a não desnaturação do contrato anteriormente celebrado e a imprevisibilidade inicial da necessidade destas alterações.


Segundo entendimento do Tribunal de Contas da União, os principais aspectos que envolvem a modificação do contrato para fins de supressão/acréscimo em seu quantitativo inicial são: a) que a supressão/acréscimo deve ser formalizada por meio de termo aditivo; b) que a Administração deve juntar aos autos planilha orçamentária que reflita as alterações havidas, permitindo-se, consequentemente, a comparação dos valores suprimidos com os originariamente contratados; e c) que o parâmetro para a aferição do percentual máximo de alteração permitido (25%) é o valor inicialmente contratado. (Acórdãos 948/2007 e 1.941/2006, ambos do Plenário do TCU)


Em relação à limitação percentual prevista no art. 65, § 1º da Lei 8666/93 para alterações do contrato, vê-se que a mesma, a princípio, está direcionada às alterações unilaterais quantitativas, estipuladas no art. 65, I, b, do mesmo dispositivo legal. Todavia, vale destacar que o Tribunal de Contas da União tem sustentado que “(...) tanto nas alterações contratuais quantitativas quanto nas alterações qualitativas deve ser observado o limite legal estabelecido nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93(...)”.


Outrossim, a egrégia Corte de Contas da União, em posicionamento objetivo, destacou o fato de que a limitação ao poder de alteração administrativa representa a própria aplicabilidade da regra da obrigatoriedade da licitação, segundo os fundamentos esposados no Acórdão 888/2005 - Primeira Câmara do Tribunal de Contas da União, de relatoria do Ministro Augusto Sherman Cavalcanti, verbis:


V. OS LIMITES À ALTERAÇÃO UNILATERAL.

12. A ilimitação do dever-poder de alteração unilateral dos contratos seria incompatível com os postulados de um estado democrático de direito. Importaria, de resto, tamanho risco para o contratado que a Administração Pública nunca lograria encontrar parceiros para tanto -ou, no mínimo, produziria elevação de custos de ordem a lesionar o interesse público. Por fim, tornaria inútil a prévia realização de licitação.

12.1 A superioridade do interesse público sobre o privado não autoriza o espezinhamento do particular. (...)Por isso, não se admite que o Estado imponha alterações contratuais como bem entender, mediante pura e simples invocação da existência de um interesse público.

Esse princípio se retrata na distinção entre cláusulas contratuais mutáveis e regras imutáveis no contrato administrativo. O tema se relaciona com o princípio da intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.

Portanto, não apenas há cláusulas intocáveis, como também se assegura ao contratado o direito a uma compensação econômico-financeira para fazer face a modificações contratuais.

12.2 Depois, se a Administração tivesse a prerrogativa de efetuar modificações unilaterais ilimitadas, os particulares dificilmente se disporiam a participar de contratações administrativas.

Haveria elevado risco, que se retrataria também nos custos evidenciados nas propostas. Enfim, a contrapartida do poder de alterar unilateralmente os contratos seria o desembolso de elevadas importâncias. Obviamente, isso conduziria ao sacrifício do interesse público.

12.3 Por fim, tornar-se-ia inútil o procedimento licitatório prévio. Se a Administração Pública pudesse modificar radicalmente os termos da contratação, o objeto contratual seria distinto daquele licitado. Logo, a licitação não teria cumprido sua função constitucional de selecionar a proposta mais vantajosa com

observância do princípio da isonomia. Aliás, não é por outro motivo que não se admite diversidade entre o conteúdo do contrato e as condições contidas no ato convocatório da licitação.(...)(g;n)


Não obstante, o próprio TCU possui entendimento de que é possível ultrapassar os limites de aditamento em alterações qualitativas, desde que atendidos requisitos bem pontuais e específicos (Acórdão Plenário TCU nº 215/99); mas não só em relação as alterações qualitativas, como também nas alterações contratuais quantitativas, como é possível extrair do Acórdão Plenário TCU nº 1.428/03, senão veja-se:


(...) tanto nas alterações contratuais quantitativas quanto nas alterações qualitativas deve ser observado o limite legal estabelecido nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, só se admitindo a extrapolação desse limite em casos excepcionalíssimos, desde que satisfeitos os pressupostos fixados na referida decisão. (g.n)


Outra situação diz respeito à alteração dos contratos administrativos, nos termos do art. 65, inciso II, ‘d’, da Lei Nacional n.º 8.666/1993, visando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da avença.


Referido dispositivo reza que os contratos poderão ser alterados por acordo entre as partes “para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual”.


Nestes casos, observado o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato que faça, comprovadamente, com que uma das partes na avença tenha que suportar encargo superior ao benefício a ser apreendido por meio do negócio jurídico, sem que para isso tenha concorrido, seja por culpa, seja por dolo, decorrente de fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, o contrato é passível de revisão ou recomposição do preço inicialmente previsto.


Além do art. 65 da Lei 8666/93, é também fundamento da revisão ou reequilíbrio contratual, o art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988. Em ambos os casos, a alteração contratual deve ser efetivada por meio de termo aditivo.


A terceira hipótese refere-se à desnecessidade de alteração contratual, haja vista que o objetivo da Administração é tão somente a suplementação de crédito orçamentário informado no instrumento de contrato em valor estimado.


A previsão, em determinados contratos, de preço estimado para a contratação ocorre nas hipóteses em que a Administração não tem condição de estabelecer previamente um valor certo e determinado para a execução do contrato e se destina a viabilizar o empenho da despesa, amparada no art. 60, §2º, da Lei nº 4.320/64: "será feito por estimativa o empenho da despesa cujo montante não se possa determinar". Quando efetivamente determinada a despesa, pode esta ser objeto de variação tanto para mais quanto para menos.


Comentários ao dispositivo mencionado pontuam que “Podem ser empenhadas por estimativa despesas cujo valor exato seja de difícil identificação e aquelas que obrigatoriamente são realizadas, dada a sua importância e natureza”, exemplificando serem “empenháveis por estimativa despesas tais como: compra de produtos químicos para tratamento de água; combustíveis e lubrificantes; energia elétrica; despesas de viagem; telefone, água, adiantamentos a funcionários; juros e outras”. (A Lei 4320/64 comentada. Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 25. ed., Rio de Janeiro, p. 123)


Nestes casos, a necessidade de suplementação do empenho estimado, conforme disposto no art. 65, § 8o, da Lei 8666/93, independe de celebração de termo aditivo, podendo ser efetivada por simples apostilamento.


Art. 65 (...)

§ 8o A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento.


Estabelecidas as hipóteses legais, cumpre, neste momento, verificar a qual destas se amolda a situação descrita, ou seja, diante de sucessivos aumentos dos valores de venda dos combustíveis no último ano, que tornaram insuficientes os valores inicialmente estimados para contratos de gestão e/ou fornecimento de combustíveis para a Administração Pública.


A primeira opção é a alteração do contrato para fins de acréscimo no preço estipulado. Estará sujeita, nos termos legais, ao limite percentual de 25% sobre o valor inicial do contrato. Todavia, tal hipótese, em muitos casos, não é suficiente para garantir a execução contratual pelo período restante de sua vigência, em razão da quantidade de aumentos sucessivos do preço do combustível no decorrer do ano de 2021.


A outra conjuntura envolve a revisão do preço contratual, em função das variações no valor do combustível. Nestas circunstâncias, isto é, de desequilíbrio financeiro causado pelo aumento do preço do combustível registrado no site da ANP durante a vigência contratual, a posição de alguns Tribunais de Contas é pela sua inviabilidade. Para estas Cortes de Contas, o simples aumento dos preços dos insumos ou a variação de indicadores não autoriza a revisão de preços.


Assim sendo, merece destaque trecho do voto da Conselheira Relatora, Cristiana de Castro Moraes, do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, in verbis: “o valor unitário do quilograma do óleo combustível adquirido pela contratada foi aumentado, porém, não justifica, por si, eventual desequilíbrio econômico e financeiro na relação contratual, pois outras variáveis na composição do custo podem refletir na equação de equilíbrio, as quais carecem de efetiva demonstração nos autos” (TCE-SP, Plenário. TC-002696/006/06, j. 19/03/2014)

Na mesma esteira, o Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás, respondendo à consulta sobre tema similar, concluiu que “a revisão de preços não pode ser concedida de forma automática pela simples variação dos preços divulgados pelas tabelas da ANP, pois é necessário que haja fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado (...)" (TCE-GO - CONSULTA Nº 00009/2020. PROCESSO: 08403/19. j. 16/05/2020)


Não nos parece que nenhum das opções referidas, que se referem a hipóteses de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro contratual, teria pertinência em relação ao impacto do aumento dos preços dos combustíveis nos contratos firmados com a Administração Pública.


Isso porque, não haveria, a princípio, a necessidade de alterar os quantitativos dos combustíveis previstos no contrato, mas sim de adequar o preço estimado do contrato, em face às variações no preço do combustível junto ao mercado.


Por sua vez, em contratos desta espécie, o valor é estimado através do valor médio dos combustíveis obtido no site da ANP, sendo garantido o pagamento de acordo com o preço na bomba na data em que venha a ocorrer o abastecimento, o que configuraria o desinteresse da contratada em eventual reajuste ou revisão de preços, ainda que se trate de serviços de gestão, os quais são remunerados por meio de taxa de administração variável conforme o preço do combustível pago a cada abastecimento.


Implica, entretanto, como visto, em impacto na gestão operacional do orçamento pela consulente, sendo necessária, conforme visto, a atualização do crédito orçamentário inicialmente estimado.


Para tal tipo de atualização, a lei 8666/93 não exige o aditamento contratual, podendo ser feita por simples apostilamento, com fulcro no art. 65, § 8º da citada lei. Além disso, entendemos que esse incremento orçamentário não estaria sujeito à limitação prevista no § 1º do mesmo dispositivo legal. Corroborando nosso raciocínio, a transcrição abaixo, extraída de artigo de autoria de Marinês Restelatto Dotti e Jessé Torres de Pereira Júnior:


Comporta a situação objeto da presente análise clara solução no sentido de que, em tais casos, quando não tiver o contrato um valor prefixado, passa a administração a ter a possibilidade de realizar sempre a alocação de novos recursos para a sua execução, desde que demonstrada a necessidade da prestação dos serviços e a possibilidade de assunção do gasto a que se propõe.


(...)


A realização de tais gastos, é certo, deve ser antecedida da emissão de empenho de dotação orçamentária suplementar, impondo, com esse objetivo, apenas o apostilamento a que se refere o art. 65, § 8º, da Lei nº 8.666/93, ficando dispensada a celebração de termo aditivo para esse fim. Esta a orientação que melhor se adequa a tais situações, quando, pela própria natureza da contratação, não se tem como estipular um valor fixo para a despesa a ser feita. (JESSÉ TORRES, Pereira Júnior; DOTTI, Marinês Restelatto. Alterações do Contrato Administrativo: Releitura das Normas de Regência à Luz do Gerenciamento de Riscos, em Gestão Pública Comprometida com Resultados. Revista do Tribunal de Contas da União. n. 114, jan/ abr 2009, pp. 77 a 94 – Brasília : TCU, 2009)


Justifica-se o apostilamento no presente caso por tratar-se de ato administrativo que não modifica as bases contratuais. Com efeito, registro de variações no valor do contrato, seja por reajuste, por repactuação ou visando a mera atualização do crédito orçamentário não caracterizam a sua alteração, não afetando a execução contratual e tampouco o seu valor, de forma que devem ser consignadas por mero apostilamento, sem a necessidade de formalização mediante termo aditivo. Nesse sentido, veja-se a fundamentação da Orientação Normativa nº 35, de 13.12.2011, da AGU


Ademais, o ato de apostila para registrar variações no valor do contrato atende aos princípios da economicidade e da eficiência na aplicação dos recursos públicos, pela sua simplicidade em relação à formalização de aditivos contratuais.


Nos termos do art. 14 do Decreto-lei 200/1967, que dispõe sabre a organização da Administração Federal: O trabalho administrativo será racionalizado mediante simplificação de processos e supressão de controles que se evidenciarem como puramente formais ou cujo custo seja evidentemente superior ao risco”.




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